A Verdade Nua e Crua
O título deste artigo pode sugerir que estamos no caminho certo no que toca à energia limpa. Com o rebentar da guerra na Ucrânia, houve muitos apelos para que intensificássemos o desenvolvimento de energias limpas vindas de fontes renováveis e para que nos comprometêssemos, ainda mais fortemente, com as nossas metas internacionais de mitigação das alterações climáticas.
Porém, a verdade nua e crua é que implementar os projetos renováveis necessários para realizar a nossa transição energética ainda é um desafio significativo. Neste momento, não seremos capazes de atingir as metas do Acordo de Paris, ou do Plano REPowerEU. Não porque não temos boas leis, mas porque sozinhas elas não conseguem fazer a diferença de que precisamos.
Um relatório recente do think-tank Ember destaca a escala deste desafio.
“As centrais eólicas e solares têm uma subida íngreme pela frente para atingirem a capacidade alinhada de 1,5C. Em 2021, a EU implementou 34GW de capacidade eólica e solar combinada. Para chegar a 1,5C, as somas anuais precisam de aumentar, chegando a 76GW em 2026. As previsões mostram que, até essa data, a EU só vai aumentar 38GW, metade do aumento anual de capacidade necessário.”
Obstáculos e Atrasos
Existem muitos obstáculos e atrasos na obtenção de aprovação para projetos renováveis. Isto é claro como a água para quem trabalha nesta indústria.
Em 2022, foram aprovadas pela EU alterações específicas à Diretiva das Energias Renováveis, estipulando um prazo máximo de três meses para o processo de licenciamento de equipamentos de energia solar. Agora, mais de seis meses depois, não há efeitos práticos desta diretiva.
Os pedidos de atualização e de alvarás continuam a arrastar-se, travados com trâmites labirínticos entre várias entidades, sem qualquer sentido de urgência ou prioridade. Nem mesmo os prazos anteriores, que eram bem mais longos, estão a ser cumpridos, conforme revelou a Ember, apontando atrasos que chegaram aos quatro anos.
Fazendo as Contas
Como podemos medir as consequências destes atrasos? E que impacto terão num futuro próximo?
Outro grupo de reflexão, a Comissão de Transições Energéticas, traça um quadro sombrio: se os obstráculos à implementação das energias eólica e solar não forem resolvidos, o mundo poderá ter um défice de mais de 20%, correspondente a 3500TWh de produção de eletricidade limpa dessas fontes até 2030.
Compreendendo a urgência da situação, os Ministros da Energia da EU concordaram em aplicar um quadro temporário para desbloquear este cenário. No entanto, são necessárias soluções de curto-prazo a nível europeu, mas também dos governos e instituições nacionais.
Por exemplo, é essencial criar um taskforce para o licenciamento de energia, numa perspetiva interdepartamental e transversal, incluindo os operadores de rede. Esta unidade deve integrar os recursos humanos de cada instituição, e ter capacidade para aprovar projetos, sendo regulada por um conjunto de indicadores que assegurem a qualidade do serviço.
Desbloquear Todo o Nosso Potencial Energético
Se formos capazes de cumprir, com eficácia, os prazoa de licenciamento, poderemos realmente desenvolver uma forte legislação comunitária de energia na Europa. Isto permitirá levar esses benefícios a todos: consumidores, produtores, investidores, operadores de rede e, claro, ao meio embiente, que tanto precisa dessa transição energética. Neste sentido, aumentará a atratividade do setor da energia renovável, priorizando e promovendo a sua implantação acelerada através da desburocratização.
O que propomos não tem de ser inovador. Não devemos ter medo de imitar as boas práticas de outros países. Inspiremo-nos, por exemplo, no caso da Dinamarca, onde o governo implementou um sistema de balcão único. Esta abordagem consolida o processo de licenciamento numa agência especializada, servindo como um único ponto de contacto ao longo do processo de desenvolvimento do projeto. Este modelo permite um processo mais eficiente e que responde às exigências das autoridades locais competentes, mantendo o interesse dos investidores e garantindo assim a atratividade do país para o investimento internacional.
No futuro, teremos que parar de falar sobre metas e, em vez disso, criar o ambiente para mudar radicalmente os nossos processos de licenciamento. Desta forma, podemos trazer a energia limpa à velocidade da luz!
Este artigo adaptado foi originalmente publicado no Expresso.